quarta-feira, julho 12, 2006

TPM

Leio a Revista TPM desde que ela nasceu.
Irmã da Trip, que por sua vez foi a primeira revista que li na minha vida... eu lá... 08 anos de idade vendo fotos de surf, tatoos e sons e me imaginado fazendo tudo aquilo. A Trip tem a linha editorial mais bacana que existe atualmente na imprensa brasileira, posso estar exagerando, mas Paulo Lima e cia fazem coisas lindas de se ler. Além de tudo a produção gráfica é fantástica. Na tpm então, nem se fala. Numa edição sobre aborto, tinha a folha recortada dentro da revista e outra dedicada a auto-medicação/ dor, veio como numa caixa de remédio... enfim, sou fã.
A revista de julho veio com um tema dolorido pra caralho... separação... e que texto são aqueles?!! corram!!! Pra quem tá roendo, troque os substantivos e deleite-se... liiiindo.

Eu já te disse?
Milly Lacombe

Sabe do que eu gostava e nunca te falei? Quando você saía do banho. Você nunca conseguiu se secar direito. Vinha pingando pelo quarto. Cabelo displicentemente penteado, e completamente encharcado. De calcinha, e escorrendo água por aquele corpo reto, sarado, lindo. Aí, como se estivesse completamente seca, você deitava na cama, do meu lado. Colada. E me beijava com a boca doce, úmida, só minha. Depois de um tempo, lembrava dos cachorros, e abaixava, de bruços, para recolhê-los para cima. Enquanto fazia isso, me lançava um olhar que pedia aprovação. Se eu não dissesse nada, você cantarolava alguma coisa, algumas daquelas músicas que você compunha para eles e me fazia rir muito, e lá vinham aqueles dois cachorros miúdos correr pela cama em volta de você. Eu só deixava, e isso eu nunca te falei, porque adorava a cara que você fazia. Você ria como uma criança. Uma criança que você é, e nunca vai deixar de ser.
E isso, talvez eu nunca tenha te dito, é das coisas mais bonitas que você tem. Bonito porque, mesmo sendo tão pura e ingênua, você é madura, forte, determinada. Você é tudo isso em uma só. E o que me atraiu em você, numa tarde de verão californiano, foi exatamente essa mistura rara. E isso, eu acho, nunca te disse.
Eu também nunca te disse que você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida, disse? Disse que nunca antes tinha amado de um jeito tão forte, tão químico, tão sensível? Que nunca tinha tremido de paixão como naquela noite que você me beijou no sofá da sala? E em todas as seguintes. Já te disse? E eu já te disse que você me entendia como ninguém jamais me entendeu na cama? Que eu nunca fui tão longe? Que te ver sorrindo em cima de mim, só pra mim, talvez seja, até hoje, minha paisagem predileta?Sabe do que mais eu gostava? Quando você imitava o cara do desenho animado, o portuga. Eu ia trabalhar lembrando da imitação e morria de rir, sozinha no carro. Eu já te disse que te amei, entre tantas outras coisas, porque você me fazia rir? Já te disse que hoje, quando a gente se encontra e consegue superar a dor para falar do passado, você ainda me faz rir assim? Já te disse que lembrar da vida que eu tive do seu lado é meu passatempo predileto? Que você me ensinou sobre as pessoas, sobre as verdades, sobre futebol, sobre política, sobre justiça, sobre como um prédio sai do chão e chega ao último andar, sobre a lógica da vida? Já te contei como essas coisas mudaram a forma como eu vejo o mundo? Já te disse como era bom ficar deitada no seu ombro? De como eu me sentia segura? De como eu gostava quando a gente via "cuickócuick" e de como a gente sacaneava, naquele jogo que vai ser para sempre só nosso, "Summerland"? Já te disse que, até hoje, quando eu ouço a sua voz no telefone, meu coração palpita diferente? Que a sua voz, as coisas que você me diz, o jeito que você diz, entram no meu ouvido da forma mais doce do mundo? Que eu adorava quando você me abraçava no meio da noite? Que eu chorava quando a gente fazia amor? Já te disse que te ver chorar é como pegar uma faca bem afiada e ir passando ela devagarinho pela minha alma? Que eu ainda sonho com você? Com a gente lendo o jornal no chão da sala, tomando café, comendo as "especialidades" que você fazia para mim? Já te disse que eu comecei a escrever este texto umas 300 vezes e nunca consegui terminar porque as lágrimas não deixavam?Já te disse que as músicas que você compôs no violão são as mais bonitas que eu já escutei? Que eu ouvia sozinha, escondida, quando você estava no trabalho, e elas me faziam chorar? Já te disse que eu adorava quando a gente ia almoçar na casa dos seus pais e suas irmãs ficavam falando de como você era mal- humorada na infância? Eu te olhava, ouvindo a mesa inteira falar de você, e via a mulher que só eu conhecia, que só eu amava daquele jeito tão fundo. E sentia um orgulho enorme. Aliás, e isso eu acho que eu já te disse, eu sinto tanto orgulho de você... Tanto.
Eu queria ver o mundo com seus olhos de criança, chorar e deixar as lágrimas pularem, e não apenas escorrerem. Queria ser indignada como você. Inquieta como você. Justa como você. Bonita como você. Intensa como você. E sabe o que mais eu queria? Ter tido um filho seu. Porque eu queria que você se multiplicasse. Acho que é disso que o mundo precisa. Pessoas bonitas, fortes, inquietas, indignadas, questinadoras, inteligentes. Como você.Mas tem uma coisa que eu certamente nunca te disse. Por que a gente se separou. Sabe por que eu nunca te disse? Porque eu nunca entendi. Eu não sei o que te afastou de mim, o que me afastou de você. O que eu sei é isto: eu sempre vou te amar. Pelo que você é. Pelo que você foi. Pelo que você será.

A carioca Milly Lacombe, 38 anos, é jornalista.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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